A escatologia, ou estudo das “últimas coisas,” e a missão cristã formam dois pilares fundamentais no desenvolvimento de uma teologia prática voltada ao engajamento cristão no mundo. Em um recente Diálogo Teológico, o Prof. Paulo César Nascimento, missionário e teólogo, compartilhou suas reflexões sobre a interseção entre missão e escatologia, destacando a importância de uma leitura cristocêntrica das Escrituras, especialmente do livro do Apocalipse. Nesta discussão, emergiram perspectivas relevantes que iluminam tanto o entendimento acadêmico quanto a prática ministerial.
Parte I: A Chamada Missionária e o Desenvolvimento Ministerial
No relato do Prof. Paulo César sobre sua caminhada missionária, emerge uma história de convicção e coragem em resposta ao chamado de Deus. Criado em um contexto humilde e distante dos grandes centros, ele desde cedo descobriu um fervor espiritual que o impulsionava a buscar uma vida de serviço. Essa jornada começou formalmente quando ele foi estudar teologia no seminário Betel, onde se preparava para servir a igreja local. No entanto, ao longo dos estudos, especialmente no último ano, seu chamado passou por uma profunda transformação. Foi durante uma atividade específica, uma apresentação missionária conhecida como CENAM (Centro Acadêmico de Missões), que ele sentiu de forma palpável um ardor missionário e a convicção de que Deus o enviava para algo muito maior do que ele tinha imaginado.
Naquele dia, o tema da apresentação foi sobre a “Janela 10/40,” uma faixa geográfica com inúmeros povos ainda sem acesso às Escrituras Sagradas. Durante a aula e o momento de reflexão, ele percebeu o peso dessa necessidade e, profundamente tocado, se viu à frente, declarando-se disposto a ir onde quer que Deus o enviasse para traduzir a Bíblia. Foi um momento definitivo. Em seu coração, a convicção não era de apenas levar a Palavra, mas de traduzir e adaptar o Evangelho para que povos distintos, como os indígenas do Brasil, pudessem entender e ser transformados pela mensagem de Cristo.
Assim, logo após sua formação em Betel, Paulo César seguiu para um treinamento específico em linguística e missões, onde teve a oportunidade de conhecer um líder indígena Tucano. Esse encontro foi o começo de uma missão que duraria mais de uma década. O convite do líder indígena não era para um trabalho temporário, mas para um projeto longo e desafiador: viver entre o povo Tucano, aprender sua língua e cultura, e então ajudar na tradução das Escrituras para o dialeto local. Para Paulo César, era o cumprimento de sua oração no seminário. Ele estava não apenas pregando, mas facilitando o acesso à Palavra de Deus na língua materna daquele povo.
A missão, no entanto, foi muito além da tradução. Durante os anos em que viveu na floresta amazônica, ele e sua família enfrentaram desafios extremos, desde o isolamento até a adaptação a um estilo de vida simples e à criação dos filhos em um ambiente totalmente diferente. Cada dia era um testemunho de dependência em Deus, e a missão se tornou um verdadeiro laboratório de fé e resiliência. A sua vocação foi fortalecida pela convicção de que cada dificuldade e cada pequeno progresso no aprendizado do idioma e na tradução dos textos bíblicos aproximavam o povo Tucano de uma compreensão viva do Evangelho.
Além da contribuição prática de traduzir o Novo Testamento, Paulo César testemunha que a missão lhe ensinou o valor de uma teologia enraizada e prática. O conhecimento bíblico e teológico adquirido no seminário se tornava ainda mais relevante no campo missionário, pois ele precisou explicar, ilustrar e viver a fé cristã em um contexto cultural completamente diferente. Ali, as discussões teológicas e as disciplinas do seminário encontraram seu propósito em servir a uma missão real e desafiadora, que exigia conhecimento, sabedoria e profundo amor por Deus e pelo próximo.
A experiência de Paulo César, fundamentada tanto no chamado quanto na preparação teológica, reflete a importância de uma missão embasada em sólidos conhecimentos bíblicos, como a que é incentivada no Programa de Pós-Graduação do Betel Brasileiro. Ao mesmo tempo, sua história inspira novos missionários e líderes a reconhecerem que a teologia é mais do que conhecimento: é um recurso vivo para transformar vidas, principalmente quando se dedica ao serviço de traduzir o amor e a mensagem de Deus em novas línguas e contextos.
Parte II: Apocalipse e a Centralidade de Cristo na Escatologia
No debate teológico, o Prof. Paulo César trouxe uma abordagem sobre o livro de Apocalipse que é tanto profunda quanto acessível, ressaltando a importância da centralidade de Cristo na leitura e interpretação desse livro. Para ele, Apocalipse não é uma coleção de mistérios assustadores ou de simbolismos desconexos, mas uma revelação de vitória e glória de Cristo sobre toda a história humana. No centro de sua mensagem, está o Cordeiro, Cristo, aquele que venceu pela entrega, pelo sacrifício, e que agora está exaltado, com poder para trazer a redenção completa ao seu povo. Essa visão transforma a maneira como vemos o Apocalipse: em vez de enxergar ali apenas um cenário de destruição e juízo, somos convidados a ver um livro de esperança, onde cada selo quebrado, cada trombeta e taça são desdobramentos que preparam o estabelecimento definitivo do reino de Deus.
O Prof. Paulo explica que Cristo, representado como o Cordeiro que foi morto e que agora reina vitorioso, é a chave para compreender o sentido de cada parte do Apocalipse. Quando lemos sob essa perspectiva, percebemos que a principal mensagem não está nos eventos em si, mas no fato de que tudo se desenrola sob o olhar e o poder do Cordeiro. Ele é aquele que conduz a história, não como um ser distante, mas como alguém que conhece a dor e a morte e que, por isso, intercede e se compadece de sua igreja em meio às dificuldades e perseguições.
Essa centralidade do Cordeiro no Apocalipse carrega uma promessa de encorajamento para a igreja em todas as épocas, especialmente em tempos de crise e de incerteza. Em meio a desafios e tribulações, o livro lembra aos cristãos que seu Salvador não está apenas presente, mas também possui toda autoridade sobre o curso da história. Essa é a fonte de coragem para continuar testemunhando a verdade de Cristo, independentemente das circunstâncias adversas. Afinal, o Cordeiro que nos salvou já venceu e nos garante a vitória final. Como destaca o Prof. Paulo César, isso não só fortalece a fé pessoal, mas também dá uma perspectiva missionária única ao Apocalipse, mostrando que a missão da igreja se fundamenta na certeza de que Cristo é o vencedor e de que seu reino está se aproximando.
Para o Prof. Paulo, é essa visão que deve guiar o ministério cristão: pregar e viver em uma confiança plena na vitória de Cristo, lembrando sempre que o Apocalipse foi escrito para fortalecer e encorajar o povo de Deus, e não para provocar medo. Esse encorajamento, segundo ele, era necessário para as sete igrejas da Ásia Menor a quem João escreveu originalmente e continua a ser essencial para a igreja atual. Hoje, diante de incertezas e desafios, a visão do Cordeiro vitorioso nos lembra de que nosso papel como igreja é permanecer firmes, com os olhos fixos na centralidade de Cristo, cientes de que Ele nos guiará até o fim.
Parte III: As Cartas às Sete Igrejas e as Lições para a Igreja Contemporânea
O Prof. Paulo César mergulha na relevância das cartas às sete igrejas da Ásia Menor descritas nos capítulos iniciais do Apocalipse, e o que ele revela sobre esses textos é, ao mesmo tempo, provocativo e transformador para a prática cristã hoje. Cada carta, endereçada a igrejas reais de cidades como Éfeso, Esmirna e Filadélfia, traz não apenas elogios e encorajamento, mas também críticas e advertências severas. Essas mensagens refletem o olhar penetrante de Cristo sobre o estado espiritual de cada congregação, suas lutas e desafios específicos. De maneira especial, o professor enfatiza que cada carta serve como um espelho para a igreja contemporânea, uma oportunidade de avaliação honesta de nossos próprios erros e acertos.
Nas cartas, encontramos igrejas que enfrentavam dilemas bem parecidos com os que muitas congregações enfrentam hoje: de um lado, o zelo doutrinário que, quando desprovido de amor, endurece o coração e cria barreiras em vez de pontes; de outro, a permissividade teológica, que leva a uma tolerância perigosa com ensinos e práticas que desviam o coração da verdadeira fé em Cristo. O professor destaca que essas situações ilustram perigos reais que podem destruir o propósito missionário de qualquer igreja. Em Éfeso, por exemplo, a igreja era elogiada por sua doutrina sólida, mas também era repreendida por ter abandonado seu “primeiro amor,” o fervor inicial e genuíno de amor por Deus e pelos outros. Esse zelo sem amor é um lembrete importante para aqueles que colocam a defesa da ortodoxia acima de tudo, esquecendo-se de que o Evangelho é, antes de mais nada, uma mensagem de amor.
Por outro lado, igrejas como Pérgamo e Tiatira se deixaram corromper ao tolerar falsas doutrinas e práticas destrutivas, colocando em risco sua própria identidade cristã. Para o Prof. Paulo, essas cartas são especialmente desafiadoras para a igreja atual, em uma era em que muitas vezes se preza pela aceitação incondicional e pela inclusão a qualquer custo. A mensagem de Cristo para essas igrejas nos lembra que o amor cristão autêntico deve andar lado a lado com a verdade. Assim, ele ressalta que a igreja precisa equilibrar o amor e o zelo doutrinário, o que significa abraçar o próximo com graça, mas sempre se manter firme nas convicções da fé. Essa tensão saudável entre amor e verdade, quando bem administrada, permite que a igreja seja um lugar de acolhimento sem perder seu propósito de testemunhar fielmente o Evangelho.
O professor sugere que o estudo dessas cartas é um recurso valioso para a igreja contemporânea compreender como sua identidade e missão estão conectadas. Cristo não apenas elogia e repreende, mas também promete recompensas àqueles que perseverarem. Esses prêmios simbolizam a vida eterna e o privilégio de compartilhar da glória do Cordeiro no fim dos tempos, oferecendo um incentivo poderoso para a igreja permanecer fiel, mesmo em tempos difíceis. Por isso, as cartas são mais do que um alerta; são uma fonte de esperança e encorajamento. Elas mostram que, apesar das falhas, há sempre a oportunidade de arrependimento e renovação na vida cristã. Cada carta se torna, assim, uma lição de vida prática, ensinando a igreja a refletir constantemente sobre suas prioridades, sua postura doutrinária e sua expressão de amor, guiando-a em direção a uma prática missionária que é equilibrada, contextualizada e, acima de tudo, fiel ao Cristo que a lidera.
Conclusão
As reflexões do Prof. Paulo César revelam uma visão abrangente do papel da escatologia e da missão na vida da igreja, desafiando pastores, líderes e missionários a desenvolver uma prática cristã fundamentada na centralidade de Cristo e na responsabilidade de levar o Evangelho a todas as culturas. O Programa de Pós-Graduação Betel Brasileiro, por meio de cursos em missiologia, hermenêutica e teologia pastoral, continua comprometido em capacitar líderes para enfrentar esses desafios, incentivando-os a servir com conhecimento e paixão pelo Reino de Deus.