Para quem não está familiarizado, o Movimento Lausanne é muito mais que uma conferência periódica. Nascido em 1974, na Suíça, sob a inspiração de gigantes como Billy Graham e John Stott, ele se tornou, como descreveram os participantes, o maior movimento missionário da história. Seu coração bate pela cooperação entre líderes cristãos de todo o mundo, pela reflexão séria sobre como levar “o evangelho todo para o homem todo para todos os homens” e pelo apoio incansável à obra missionária global. A edição de 2024, Lausanne 4, foi um testemunho vivo disso, congregando delegações de impressionantes 202 países.
No “Diálogos Teológicos 010”, programa online que é realizado pelo Centro de Pós-Graduação do Betel Brasileiro, a mesa redonda trouxe a participação de três representantes do Betel Brasileiro que estiveram no evento. Pr. Jorge Noda, Miss. Gláucia Gontijo e Pr. Williton Farias compartilharam a emoção e as lições que trouxeram do evento, destacando a importância de Lausanne como um movimento interdenominacional, reunindo cristãos de diversas tradições e abordagens teológicas.
Chamados Inesperados: A Jornada Pessoal Rumo à Coreia
A história de como eles chegaram à Coreia já é, por si só, um testemunho. Curiosamente, os três, cientes dos altos custos e dos desafios de uma viagem tão longa, inscreveram-se inicialmente para participar do evento online. A surpresa veio depois: o convite para estarem lá, presencialmente. “Com relação a Por que você foi selecionado meu irmão….foi graça da parte de Deus…”, compartilhou, com humildade, o Pastor Williton. A Missionária Gláucia, referendada pela Dra. Durvalina Barreto Bezerra, diretora do CETEMIBB, ecoou o sentimento: “Eu louvo a Deus pela escolha Soberana… Foi muito emocionante poder adorar a Deus com muitos povos, línguas, nações reunidas, buscando juntos… propostas estratégias para acelerar a evangelização Global.” A jornada, marcada pela providência divina, apenas começou ali.
Emoção e Reconciliação: A Ceia que Uniu Antigos Inimigos
Um dos momentos mais tocantes relatados, que parece ter parado o tempo em Lausanne 4, foi a celebração da Ceia do Senhor conduzida, lado a lado, por um pastor japonês e um pastor coreano. Para entender a magnitude desse ato, é preciso lembrar das feridas históricas deixadas pela brutal ocupação japonesa na Coreia (1910-1945). O Pastor Jorge Noda, ele mesmo descendente de japoneses, confessou ter chorado. “…Para mim a celebração da ceia do Senhor com o pastor coreano e um pastor japonês foi uma forma de dizer que em Cristo nós encontramos verdadeira reconciliação…”, afirmou, visivelmente emocionado. Um gesto poderoso, mostrando que a fé pode construir pontes onde a história deixou abismos. Para ele, o encontro foi um verdadeiro “divisor de águas” na percepção missionária.
Debruçados sobre o Futuro: As “Lacunas” da Missão Global
Mas Lausanne não vive apenas de momentos simbólicos. O trabalho ali é intenso e estratégico. Os participantes se debruçaram sobre 25 “lacunas” – desafios cruciais que a igreja precisa enfrentar para cumprir sua missão até 2050. Cada um dos convidados mergulhou em um desses temas:
Miss. Gláucia Gontijo esteve no grupo da Lacuna 18: Desenvolvendo Líderes de Caráter. Ela destacou a urgência de formar líderes à imagem de Cristo, onde, como aponta um artigo de Tim Tucker citado por ela, o caráter precede o carisma, a perseverança supera a busca por plataformas e a interdependência vence o individualismo. ” [Lausanne] Traz isso ainda biblicamente falando é o impacto teológico sim…”, reforçou Gláucia, conectando a discussão à base bíblica da missão.
Pr. Williton Farias engajou-se na Lacuna 19: People on the Move (Povos em Diáspora). Um tema que lhe tocou profundamente, especialmente ao pensar na diáspora brasileira, com mais de 200.000 pessoas só no Japão, além de grandes comunidades em Portugal, Reino Unido e EUA. “A gente tem muitos brasileiros que estão fora do país… e nós não aproveitamos essas pessoas para serem missionários…”, lamentou ele, revelando que o grupo já pensa em ações concretas, incluindo uma possível consulta da Rede Global de Diáspora (GDN) no Brasil, para “completar essa lacuna até 2050”.
Pr. Jorge Noda contribuiu nas discussões sobre Evangelismo na Era Digital. Ele trouxe um olhar realista: “Essa área ela ainda é muito incipiente… a igreja não tem refletido mais profundamente Como usar o ambiente digital como uma estratégia…”. Alertou para o desafio de competir com teologias problemáticas que dominam as redes (mencionando um pregador brasileiro com 35 milhões de seguidores) e a necessidade de uma ação mais unida e contextualizada dos evangélicos nesse campo vital.
Do Global para o “Glocal”: Lausanne no Chão da Igreja Brasileira
Uma das belezas da conversa foi perceber como um evento dessa magnitude se conecta com a realidade local. O Pastor Williton resumiu bem ao falar do “alcance glocal” do evangelho: agir localmente sem perder a visão global. Ele mesmo levou o espírito de Lausanne para Patos, no Sertão, reunindo líderes da região para compartilhar os desafios e as visões do encontro.
A discussão também desmistificou a ideia de que missões globais são coisa apenas para “Mega Churches”. Como resumiu o anfitrião, Pastor Guilherme (mediador do Diálogos Teológicos), “Não é o tamanho da igreja, mas é o tamanho do comprometimento e a visão.” Prova disso são iniciativas como a do Pastor Erivaldo, de uma igreja de porte médio em João Pessoa (Betel Torre), que desenvolve um trabalho impactante com refugiados venezuelanos. É a visão em ação, não importando a estrutura. E o Brasil, vale notar, já desponta como a segunda maior nação enviadora de missionários do mundo.
Vozes que Inspiram: Testemunhos de Fé em Meio aos Desafios
Os relatos trouxeram ainda histórias que arrepiam e inspiram. O encontro com uma missionária que serve entre palestinos sob o risco constante de mísseis. A conversa com um pastor angolano que luta contra leis que exigem 100.000 membros para registrar uma nova igreja, forçando uma cooperação criativa entre as denominações. Ou o testemunho de um pastor africano que agora capacita obreiros em sua própria região, revertendo o fluxo histórico de envio para formação no exterior. São lampejos da fé vivida nos cantos mais desafiadores do mundo.
O Legado e o Chamado: Olhando para Frente
Ao final do programa, ficaram os conselhos práticos e profundos dos convidados. Miss. Gláucia: “Medite na palavra tenha como a sua única regra de fé e prática ame alimente-se dela…”. Pr. Williton: “Viva missões… essa é a nossa missão é a missão de Deus que nos foi dada…”.
A conversa no “Diálogos Teológicos” foi mais que um relato sobre Lausanne 4. Foi um convite a olhar para a missão de forma renovada, estratégica e profundamente humana, lembrando que a tarefa de alcançar o mundo começa na disposição de cada coração e na visão de cada comunidade, seja ela grande ou pequena, esteja ela no centro urbano ou no coração do Sertão. E instituições como o Centro de Pós-Graduação do Betel Brasileiro seguem firmes no propósito de equipar aqueles que ouvem esse chamado.